REFLEXÕES EM TEMPO DE GUERRA


Governo Temer: um “novo” projeto para o Estado

Quem achar que estamos apenas diante de uma “troca de presidente” pode se enganar redondamente. A questão é muito mais profunda. Trata-se, de fato, de uma nova configuração de estado e de desenvolvimento para o país que as elites empresariais e financeiras exigem que seja posta em prática, sem o que não aceitam investir no Brasil. Separei, abaixo, os eventuais impactos para a área da educação.
Portanto, argumentar em defesa do estado de direito e contra “golpes de caneta” é necessário, mas já não é mais suficiente. Passado o susto inicial, há que se debruçar sobre as propostas que um eventual governo Temer está articulando. Ver-se-á que estamos diante de uma nova onda neoliberal em complemento à realizada por FHC antes dos governos do PT. Portanto, é fundamental que politizemos esta questão do golpe para além da defesa do estado de direito: não ao golpe e não ao projeto de arrocho neoliberal.
A nova proposta de Estado começou a ser elaborada no final do ano passado com a divulgação de um programa pelo PMDB chamado “Ponte para o Futuro”. Este projeto inicial sofreu já algumas alterações conforme mostra Carta Capital.
Em sua versão original, já são claras as evidências de uma formulação destinada a mudar o que foi concretizado até aqui na Constituição de 88 e nas políticas públicas que se seguiram com os governos do PT. Neste documento, lê-se que:
“Nosso propósito é criar as condições para o crescimento sustentado da economia brasileira (…) Para cumprir estes princípios será necessário um grande esforço legislativo porque as leis existentes são, em grande parte, incompatíveis com eles. Vamos precisar aprovar leis e emendas constitucionais que, preservando as conquistas autenticamente civilizatórias expressas em nossa ordem legal, aproveite os mais de 25 anos de experiência decorridos após a promulgação da Carta Magna, para corrigir suas disfuncionalidades e reordenar com mais justiça e racionalidade os termos dos conflitos distributivos arbitrados pelos processos legislativos e as ações dos governos. Essas reformas legislativas são o primeiro passo da jornada e precisam ser feitas rapidamente, para que todos os efeitos virtuosos da nossa trajetória fiscal prevista produzam plenamente seus efeitos já no presente. Será uma grande virada institucional (…)” (p. 16)
Como se vê, é a Constituição de 88 que está na mira das alterações propostas. O que são “conquistas civilizatórias”? Um termo para se diferenciar de “conquistas sociais”? É o que esclarece o trecho seguinte:
“O ajuste fiscal não é um objetivo por si mesmo. Seu fim é o crescimento econômico que, no nosso caso, sem ele, é apenas uma proclamação vazia.Nos últimos anos o crescimento foi movido por ganhos extraordinários do setor externo e o aumento do consumo das famílias, alimentado pelo crescimento da renda pessoal e pela expansão do crédito ao consumo. Esses motores esgotaram-se e um novo ciclo de crescimento deverá apoiar-se no investimento privado e nos ganhos de competitividade do setor externo, tanto do agronegócio, quanto do setor industrial.” (p. 17).
“Temos que viabilizar a participação mais efetiva e predominante do setor privado na construção e operação de infraestrutura, em modelos de negócio que respeitem a lógica das decisões econômicas privadas, sem intervenções que distorçam os incentivos de mercado, inclusive respeitando o realismo tarifário. Em segundo lugar, o Estado deve cooperar com o setor privado na abertura dos mercados externos, buscando com sinceridade o maior número possível de alianças ou parcerias regionais, que incluam, além da redução de tarifas, a convergência de normas, na forma das parcerias que estão sendo negociadas na Ásia e no Atlântico Norte. Devemos nos preparar rapidamente para uma abertura comercial que torne nosso setor produtivo mais competitivo, graças ao acesso a bens de capital, tecnologia e insumos importados.”
Note-se acima, o “dedo” do capital internacional.
“Em terceiro lugar caberá ao Estado, operado por uma maioria política articulada com os objetivos deste crescimento, com base na livre iniciativa, na livre competição e na busca por integração com os mercados externos, realizar ajustes legislativos em áreas críticas. (p. 17).
Na visão de Carta Capital, temos abaixo as propostas iniciais do documento ‘Ponte para o futuro’ comentadas. Separei aquelas de maior impacto para a educação:
“1) Novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações de receitas. Dito dessa forma, parece uma medida burocrática. Mas é simplesmente o fim de todo o modelo de financiamento da Educação e da Saúde Pública brasileira.”
“3) Fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais. Quando a indexação é pelo salário mínimo, como é o caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a eles um aumento real, com prejuízo para todos os demais itens do orçamento público, que terão necessariamente que ceder espaço para este aumento.”
7) Estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento. Isso gerará estagnação econômica, dificuldade de tirar o país da recessão e pode tornar o país ingovernável a menos que acabe ou desmonte boa parte dos programas sociais.
8) Ampliar a idade mínima para a aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. Querem uma idade mínima que não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão da idade mínima aumentar dependendo dos dados demográficos.
9) É indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício, inclusive aposentadorias e auxílios a pessoas deficientes, ao valor do salário mínimo.
12) Privatizações. Executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura
13) Fim do Regime de Partilha para o Pré-Sal
19) Reduzir os gastos sociais em assistência, saúde e educação. Eufemisticamente propõem estabelecer uma agenda de “transparência” e de “avaliação de políticas públicas”, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas. O documento afirma que “o Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes”
20) Fim da CLT. Na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais.
Novas propostas que vão ser incluídas no documento “Ponte para o futuro:
“Neste domingo, 27 de março, o Jornal Estado de São Paulo publicou novas propostas complementares ao documento “Uma Ponte para o Futuro”, também coordenadas pelo Moreira Franco:
4) Estender o Pro-uni para o ensino médio com o objetivo de privatizar de forma muito mais generalizada o ensino médio.
5) Limitar o Pronatec que é um sistema de bolsas de ensino para cursos profissionalizantes rápidos para a camada mais pobre da população e que tem muita dificuldade material e não-material de realizar cursos profissionalizantes tradicionais que são extensos, dispendiosos ou focados para jovens com bom embasamento educacional.
6) Limitar as concessões de empréstimos estudantis pelo FIES. O objetivo declarado é gerar mais “meritrocracia”.  Na prática, isso significa que milhões e milhões de jovens deixarão de ter acesso à universidade.
7) Concentrar os programas sociais apenas aos mais miseráveis, os 10% mais pobres, que vivem com menos de 1 dólar por dia.”
É esta política que nos espera no dia seguinte ao impeachment.


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