PASTORAL DA JUVENTUDE E ELEIÇÕES: REFLEXÕES IMPORTANTES





Na esteira do testemunho fiel e profético das primeiras comunidades cristãs, a Pastoral da Juventude (PJ) quer, por meio desta nota, reafirmar o seu compromisso com o projeto do Reino de Deus, encarnado no Cristo e seguido pela Igreja. Diante do momento atual de crise(s) no nosso país, a corrida eleitoral fez emergir discursos e propostas que colocam em disputa diferentes projetos de sociedade e de humanidade.
Por isso, atenta aos valores do Evangelho, aos ensinamentos da Igreja e aos anseios reais da sociedade – especialmente das juventudes, dos/as pobres e oprimidos/as – a PJ utiliza deste instrumento objetivando provocar a reflexão e orientar as nossas bases e lideranças para uma tomada de posição mais consciente e coerente, à luz da nossa fé e da nossa missão.
1. Nosso Projeto de Sociedade: O Horizonte da Civilização do Amor
Primeiramente, é preciso reconhecer e reafirmar o projeto de sociedade que nós acreditamos, defendemos e buscamos, a Civilização do Amor! Tal projeto se fundamenta centralmente em Jesus Cristo, quando o mesmo afirma “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (João 10, 10). Jesus é categórico: seu projeto é a vida para todos e todas, não apenas para uns poucos privilegiados. E não se trata de uma vida qualquer. Não! Jesus quer vida abundante, ou seja, vida plena de dignidade, respeito e direitos que possibilitem a felicidade e realização para todas as pessoas.
Como realizar tal projeto? O próprio Jesus nos disse “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros” (João 13, 34). Ora, e como foi que Ele nos amou? Entregando a própria vida em favor da vida de todos e todas. O Amor foi, em Jesus, a chave de sua missão e de sua doação ao projeto de Deus. Eis ao que somos convocados como cristãs e cristãos: amar e amar, sem medida!
A nossa Igreja, por sua vez, reconhece e professa o Amor de Deus em Cristo como sendo seu caminho e seu horizonte. Em diversos documentos a Igreja reafirma o seu compromisso com o Amor enquanto fundamento central de sua missão. Aqui, devido a reflexão de cunho social que é o foco, faremos menção a Doutrina Social da Igreja (DOCAT, 2016), na qual se afirma: “O fio condutor de Deus na Criação é o Amor.
Portanto, o plano de Deus é que o homem ame e responda ao seu amor e assim ele próprio pense, fale e atue no amor” (n. 1). O mesmo documento ainda reforça que a vocação humana é o amor (n. 15) e que pelo exercício do amor devemos renunciar a violência (n. 16).
Avançando para um ideal de organização da vida em sociedade, a Doutrina Social da Igreja assume como um de seus princípios o Bem Comum, ou seja, o conjunto de condições sociais que possibilite a todos/as atingir a plenitude da vida (n. 87). Neste sentido, afirma-se expressamente: “O fim de cada pessoa individual é realizar o bem. O fim da sociedade é o Bem Comum” (n. 87). Tal princípio é de tal forma imperativo, que mais adiante se esclarece: “A propriedade privada não pode estar acima do bem comum, porque todos os bens devem servir a todos os homens” (n. 91). Este princípio deve então ser encarado como prioridade, especialmente em atenção aos mais pobres e excluídos, conforme também alerta o documento: “Ou os pobres estão no coração da Igreja, ou então a Igreja trai a sua missão” (n. 94).
É necessário destacar que, nesse caminho pelo Bem Comum e pela “vida em abundância” – caminho do Amor em Cristo – não há espaço para: julgamentos e condenações (cf. Mateus 7, 1-5; João 8, 1-11); egoísmo e individualismo (cf. Marcos 10, 17-31); fundamentalismo e legalismos (cf. Mateus 12, 1-14; Lucas 14, 1-6); preconceitos (cf. João 4, 1-26); privilégios (cf. Mateus 20, 17-28). A vida está em primeiro lugar, sempre! Nos cabe servir a vida, no anúncio e na prática do amor, na denúncia e na luta contra as estruturas que produzem morte.
Por tudo isso é que a PJ se engaja politicamente na construção da Civilização do Amor, uma sociedade fraterna, sem violência, justa e igualitária, com o direito à vida digna e plena para todas as pessoas e particularmente para os pobres, marginalizados e oprimidos. Fica claro, portanto, que é este o projeto de sociedade e de humanidade que devemos mirar como horizonte, e no qual devemos basear nossas escolhas, nossos discursos e práticas – no momento atual especialmente o nosso voto.
2. Vida(s) em Risco: Projetos incoerentes e contrários a Civilização do Amor
Neste segundo ponto, relacionamos e alertamos sobre algumas questões eleitoreiras que se colocam na contramão do mandamento evangélico do Amor e que, portanto, ameaçam o valor inviolável da vida e impõem obstáculos no caminho rumo à Civilização que sonhamos. Nas palavras de profecia que abrem esta Nota – “Quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos.” (Atos 4, 20) – reconhecemos o sentimento e a consciência que nos move no compromisso com o projeto libertador de Cristo. E é com base nisso que nos posicionamos contrariamente ao avanço das seguintes pautas:
Redução da Maioridade Penal
Proposta que defende reduzir a maioridade penal (hoje em 18 anos) para idades menores, sob o argumento de que isso reduziria a violência. Juntamente com a Igreja, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a PJ já se posicionou inúmeras vezes e é historicamente contrária a qualquer proposta de redução, por entender que isso, além de ferir os direitos fundamentais de adolescentes e jovens, não é a solução adequada e efetiva para sanar ou mesmo amenizar o problema da segurança. Ao contrário, apenas agravaria ainda mais a violência.
Revogação do Estatuto do Desarmamento
Proposta para revogar a lei do estatuto do desarmamento, permitindo o porte de arma de fogo para qualquer cidadão comum, com o intuito de supostamente garantir a sua proteção e defesa. Novamente junto a CNBB, a PJ é contra tal medida, entendendo que armar a população somente contribuiria para gerar mais violência, em oposição a cultura de paz que defendemos.
O Atlas da Violência 2018 mostra que a maioria dos homicídios no país é praticado com armas de fogo (71,1% dos casos em 2016), e são os jovens grande parte das vítimas, com crescimento nacional de 23,3% de homicídios contra jovens entre 2006 e 2016 (ano em que foram assassinados 33.590 jovens no país). Ainda segundo o Atlas da Violência, se não fosse pelo Estatuto do Desarmamento, o número de homicídios no Brasil seria 12% maior que o registrado.
Congelamento de Gastos Públicos
Em 2016 foi aprovada uma mudança constitucional que congelou o limite dos “gastos” públicos da União (incluindo saúde e educação) pelos próximos 20 anos, com a finalidade de controlar e frear o déficit nas contas públicas. Na prática, a medida representa mais um duro golpe nos direitos básicos da população mais pobre, que necessita dos serviços públicos (já precários).
A juventude que necessita de educação pública de qualidade, de acesso à saúde, cultura, lazer e oportunidades, está entre as mais prejudicadas com o teto de gastos, sofrendo com o corte no orçamento de programas e políticas públicas federais. Em favor da vida dessa população, somos contra o congelamento aprovado! Defendemos que o controle das contas públicas deve se fazer cortando privilégios e regalias de quem muito têm, e jamais retirando direitos já escassos de quem mais precisa.
Reforma Trabalhista
Em vigor desde 2017, a Reforma Trabalhista alterou inúmeros dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterou inúmeros direitos de trabalhadores/as sob o pretexto de “flexibilizar e modernizar” a legislação trabalhista. A PJ é contra tal reforma, pois na realidade ela serve apenas aos interesses do Mercado, enfraquecendo as garantias e os direitos trabalhistas, tais como: a prevalência de negociações entre empregador e empregado sobre a legislação; a não obrigatoriedade de pagamento do piso ou salário mínimo na remuneração por produção; imposição de limites aos pedidos de indenização por danos morais sofridos pelo trabalhador; terceirização irrestrita para todas as atividades; permissão para mulheres grávidas trabalharem em locais insalubres; enfraquecimento dos sindicatos; etc.
Todas essas mudanças favorecem a precarização das condições de trabalho e o subemprego, realidades que atingem direta e principalmente os/as jovens que estão ingressando no mercado de trabalho. E isso num cenário em que o desemprego é maior entre jovens de 14 a 24 anos, chegando a 5,6 milhões de jovens desempregados/as no primeiro trimestre deste ano, dados do IBGE.
Militarização das Escolas

Proposta que defende a adoção de gestão, disciplina e metodologia militares no âmbito da educação e das escolas públicas, sob a justificava de combater a violência e outros problemas vividos nas escolas.
A PJ é contra as propostas de Militarização, pois reconhecemos a incompatibilidade destas com o projeto de uma educação que seja crítica e libertadora, que respeite as diferenças e busque a transformação social. É esta a educação que a juventude quer, merece e precisa, uma educação para a autonomia e emancipação, não para a repressão e dominação.
Projeto/s “Escola Sem Partido”
Propostas que visam limitar e censurar a liberdade de cátedra de professores/as sob o pretexto de evitar que estes/as possam “doutrinar ideologicamente” crianças e jovens estudantes. Assim como sobre o ponto anterior, a PJ é contrária ao “Escola Sem Partido”, pois compreendemos que o argumento da chamada “doutrinação” é apenas uma falácia de grupos conversadores que querem a permanência da sociedade tal como ela é: desigual e excludente, com privilégios de poucos sendo sustentados pela miséria de muitos. Além disso, defendemos que a liberdade é um princípio fundamental à formação crítica, sendo direito fundamental e inegociável a todo/a educador/a.
Fascismo
Este último ponto talvez seja o mais crítico, por ser ele o mais abstrato. O que tratamos aqui como Fascismo não é uma proposta concreta em si mesma, mas um conjunto de ideias e práticas que tem na sua base o radicalismo político autoritário e violento. Em nossos dias, o Fascismo se expressa nos discursos de ódio que dizem “bandido bom é bandido morto”; na naturalização da desigualdade entre homens e mulheres; no preconceito velado e explícito contra LGBTI+; na negação do racismo estrutural e enraizado que oprime e mata os/as negros/as todos os dias; no não reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e tradicionais; na intolerância religiosa e nos ataques contra as religiões de matriz africana; na defesa de que fazer a economia crescer – atender as necessidades do mercado – é mais importante do que atender as necessidades básicas e fundamentais da população pobre e marginalizada.
Ou somos cristãos e cristãs a favor da Vida, ou apoiamos tais posições. Pela vida plena para todos/as, especialmente para as juventudes, a PJ diz NÃO ao Fascismo em todas as suas horrendas expressões!
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Conscientes da complexidade do debate sobre as questões abordadas, preparamos em anexo desta Nota uma lista com referências, da Igreja e de entidades representativas da sociedade, que embasam e justificam nossa posição. Diante de tudo isso, fazemos um forte apelo para que todos e todas engajados/as na PJ reflitam profundamente sobre suas escolhas pessoais e mobilizem debates críticos nos diversos espaços coletivos em que atuam.
Mais do que nunca, precisamos ser coerentes com a nossa fé e nosso projeto de sociedade. E isto obrigatoriamente nos impõe o compromisso em não votar, não compartilhar e não apoiar os discursos, propostas e candidaturas (de indivíduos ou de partidos) que defenderam/defendem quaisquer das pautas acima citadas ou ideias similares. Ao contrário, devemos lutar contra tudo isso, escolhendo e apoiando candidaturas que se propõem efetivamente a garantir vida plena e digna para todos/as, em especial aos pobres, com políticas estruturais e consistentes, baseadas no respeito incondicional aos Direitos Humanos e nos ideais de justiça, equidade, diversidade e paz social. Somente assim poderemos chegar de fato ao Bem Comum como finalidade real da sociedade, assumindo concretamente a construção da Civilização do Amor.
Estamos certos e certas de que, nessa luta e nesse sonho, o Espírito Santo é que nos move na fidelidade ao projeto do Reino, encarnado em Jesus Cristo e seguido pela Igreja. Haverá, por certo, quem julgue “radical” ou até mesmo “ideológica” a nossa posição, mas aprendemos com o Mestre que se trata, na verdade, de evangelho e profecia (cf. Mateus 10, 10-12). Nosso santo padre e pastor, o Papa Francisco já disse: “Um cristão que não seja revolucionário neste tempo, não é cristão”. Seguimos firmes na esperança certa de que, juntas e juntos na revolução, a Vida vencerá a morte!

Anexos
1. Documentos e pronunciamentos da Igreja e organismos eclesiais
CELAM. Civilização do Amor: Projeto e Missão – Orientações para uma Pastoral Juvenil Latino-americana. Brasília: Edições CNBB, 2013.
CNBB. Evangelização da Juventude: Desafios e Perspectivas Pastorais. Documentos da CNBB n. 85. Brasília: Edições CNBB, 2007.
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil: 2015-2019. Brasília: Edições CNBB, 2015.
CNBB. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. Documentos da CNBB n. 105. Brasília: Edições CNBB, 2016.
DOCAT – Como Agir? – Tradução popular da Doutrina Social da Igreja Católica. São Paulo: Editora Paulus, 2016.
2. Referências de outras organizações da Sociedade
Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/583219-nota-da-pastoral-da-juventude-do-brasil-reflexao-e-orientacao-sobre-as-eleicoes-2018


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